Roleta de cassino.

No último dia 30 de dezembro foi publicada no Diário Oficial da União a Lei n.o 14.790/23, inaugurando o (já bastante esperado) marco regulatório para as atividades de apostas esportivas e jogos on-line no território brasileiro, ali tratadas como uma modalidade lotérica sob a designação de “apostas de quota fixa”.

No plano normativo, uma tentativa de regulamentar uma realidade de um mercado que, estima-se, movimenta aproximadamente 120 bilhões de reais por ano, mas que ainda se vê dançando, perigosamente, na corda-bamba da legalidade.

Se é verdade que muitas pessoas e entidades tenham se aproveitado destas atividades para o cometimento de crimes graves como a sonegação fiscal, a evasão de divisas e, principalmente, a lavagem de ativos; é também verdade que a normatização do setor pode representar um ganho significativo de legitimidade mercadológica, arrecadação tributária aos cofres públicos e, principalmente, segurança jurídica para empresas prestadoras e clientes jogadores/apostadores.

Havendo, ainda, um grande trabalho pendente de regulamentação da Lei (encargo atribuído, inicialmente, ao Ministério da Fazenda), este artigo não poderia ter a pretensão de uma abordagem exaustiva. Todavia, alguns aspectos principais vão resumidos abaixo, sintetizando as principais diretrizes impostas, a partir de agora, às empresas do setor:

O que é uma aposta de quota fixa?

Nos termos da própria Lei n.o 14.790/23 é “o ato por meio do qual se coloca determinado valor em risco na expectativa de obtenção de um prêmio” e que pode ter por objeto “eventos reais de temática esportiva” ou “eventos virtuais de jogos on-line”.

Ficam proibidas, todavia, as apostas que tenham como objeto “os eventos esportivos que envolvam as categorias de base ou eventos que envolvam exclusivamente atletas menores de idade em qualquer modalidade esportiva”.

Portanto, parece claro que as atividades de Bets, traduzidas em apostas vinculadas ao resultado futuro de eventos esportivos, estão perfeitamente contempladas no conceito de aposta de quota fixa.

Menos tranquila, por outro lado, são as atividades de Gaming (ou, talvez mais fielmente traduzidas pela expressão gambling), especialmente aquelas conhecidas como “jogos de azar”, tradicionalmente operadas em cassinos físicos e que, nos dias atuais, inundam a rede mundial em plataformas de cassinos on-line, como roleta, blackjack e poker, entre outros.

Os cassinos on-line e jogos de azar on-line estão abarcados por esta nova modalidade lotérica e, portanto, regularizados no Brasil?

Antes, porém, de (tentar) responder esta questão, é necessária uma contextualização legal.

Desde 1941, a legislação brasileira (Decreto-Lei n.o 3.688) considera como contravenção penal “estabelecer ou explorar jogo de azar em lugar público ou acessivel ao público, mediante o pagamento de entrada ou sem ele”, ficando o infrator sujeito a uma pena de prisão que pode variar entre 3 meses e 1 ano, além do pagamento de multa.

Para os fins que objetiva, a referida Lei de Contravenções Penais define como “jogo de azar”:

  1. o jogo em que o ganho e a perda dependem exclusiva ou principalmente da sorte;
  2. as apostas sobre corrida de cavalos fora de hipódromo ou de local onde sejam autorizadas;
  3. as apostas sobre qualquer outra competição esportiva.

A seu turno, a nova Lei n.o 14.790/23, ao criar a modalidade lotérica de apostas de quota fixa, define, entre outros, os seguintes conceitos a ser tomados em consideração para os efeitos de aplicação dela própria (lei):

  1. aposta: ato por meio do qual se coloca determinado valor em risco na expectativa de obtenção de um prêmio;
  2. agente operador de apostas: pessoa jurídica que recebe autorização do Ministério da Fazenda para explorar apostas de quota fixa
  3. apostador: pessoa natural que realiza aposta;
  4. aplicações de internet: o conjunto de funcionalidades que podem ser acessadas por meio de um terminal conectado à internet;
  5. canal eletrônico: plataforma, que pode ser sítio eletrônico, aplicação de internet, ou ambas, de propriedade ou sob administração do agente operador de apostas, que viabiliza a realização de aposta por meio exclusivamente virtual; 
  6. aposta virtual: aquela realizada diretamente pelo apostador em canal eletrônico, antes ou durante a ocorrência do evento objeto da aposta; 
  7. aposta física: aquela realizada presencialmente mediante a aquisição de bilhete em forma impressa, antes ou durante a ocorrência do evento objeto da aposta;
  8. jogo on-line: canal eletrônico que viabiliza a aposta virtual em jogo no qual o resultado é determinado pelo desfecho de evento futuro aleatório, a partir de um gerador randômico de números, de símbolos, de figuras ou de objetos definido no sistema de regras;
  9. evento virtual de jogo on-line: evento, competição ou ato de jogo on-line cujo resultado é desconhecido no momento da aposta;

Posteriormente, estabelece (artigos 3º e 14), que “as apostas de quota fixa de que trata esta Lei poderão ter por objeto […] eventos reais de temática esportiva; ou […] eventos virtuais de jogos on-line” e “[…] poderão ser ofertadas pelo agente operador nas seguintes modalidades, isolada ou conjuntamente: I – virtual: mediante o acesso a canais eletrônicos; e II – física: mediante a aquisição de bilhetes impressos”.

É possível concluir, portanto, que a nova lei autoriza que empresas ofertem, em modalidade física (mediante a aquisição de bilhetes impressos) ou virtual (mediante o acesso a canais eletrônicos, isto é, plataforma, que pode ser sítio eletrônico, aplicação de internet, ou ambas, de propriedade ou sob administração do agente operador de apostas, que viabiliza a realização de aposta por meio exclusivamente virtual), apostas (ato por meio do qual se coloca determinado valor em risco na expectativa de obtenção de um prêmio), inclusive virtuais (aquela realizada diretamente pelo apostador em canal eletrônico, antes ou durante a ocorrência do evento objeto da aposta), que tenham como objeto jogos on-line ([…] jogo no qual o resultado é determinado pelo desfecho de evento futuro aleatório, a partir de um gerador randômico de números, de símbolos, de figuras ou de objetos definido no sistema de regras).

Neste cenário, parece inevitável admitir que os cassinos on-line integram o conceito (ao menos semântico) da modalidade lotérica de aposta de quota fixa. Afinal, o que seria, por exemplo, um jogo slot (popularmente conhecido como “caça-níquel”) ou de roleta,senão jogos no qual o resultado é determinado pelo desfecho de evento futuro aleatório, a partir de um gerador randômico de números, de símbolos, de figuras ou de objetos definido no sistema de regras tradicionalmente definido a cada um deles?

Aqui, uma questão técnica se faz importante.

No Direito brasileiro (Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro), a “[…] lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior”.

Quando a nova lei autoriza a comercialização de apostas que tenham como objeto um jogo cujo resultado é determinado pelo desfecho de evento futuro aleatório, a partir de um gerador randômico de números, de símbolos, de figuras ou de objetos definido no sistema de regras,parece claro que está em frontal incompatibilidade com a lei anterior (Lei de Contravenções Penais) que, por sua vez, proíbe a oferta de jogos em que o ganho e a perda dependem exclusiva ou principalmente da sorte.

Em termos técnico-jurídicos, poderia estar caracterizado o fenômeno conhecido como abolitio criminis, significando, basicamente, que a partir da Lei n.o 14.790/23 não poderiam ser considerados contravenções penais os (assim chamados) “jogos de azar” realizados em modo virtual através de plataformas on-line.

Vale, por fim, a observação de que o tema ainda é novo e carente de maiores abordagens, tanto pela literatura jurídico-criminal, quanto pelo Poder Judiciário, a quem compete a “ultima palavra” na interpretação das leis.

Qualquer pessoa pode explorar a atividade de apostas de quota fixa?

Em síntese, a exploração desta modalidade lotérica é reservada a pessoas jurídicas (empresas) que cumpram os requisitos legais, sendo os principais:

  1. ter sede e administração no território nacional;
  2. estar autorizada pelo Ministério da Fazenda para a realização da atividade;
  3. observar as regulamentações a ser editadas pelo Ministério da Fazenda, que compreenderão, obrigatoriamente, aspectos como, valor mínimo e forma de integralização do capital social; exigência de comprovada experiência dos sócios em atividades de jogos, apostas e loterias; requisitos técnicos de segurança cibernética e de tecnologia da informação; observância da Lei Geral de Proteção de Dados (Lei n.o 13.709/18); entre outros;

Quanto a empresa precisará pagar para explorar a atividade de apostas de quota-fixa?

Segundo a nova lei, as empresas interessadas em explorar apostas de quota-fixa deverão pagar uma contraprestação de outorga, em valor não superior a 30 milhões de reais, podendo explorar, por ato de autorização, até 3 marcas comerciais em seus canais eletrônicos.

Como as empresas podem evitar problemas jurídicos e, especialmente, criminais na exploração desta atividade?

O setor Gaming&Bets tem estado na mira dos órgãos públicos de fiscalização e controle e, ultimamente, tem marcado presença frequente na grande mídia; infelizmente, páginas policiais.

Isto se deve ao fato de que que, pela natureza da atividade e pelas características e volume dos fluxos financeiros que ela movimenta, há um grande interesse da criminalidade organizada em se aproveitar deste contexto, especialmente para práticas como a evasão de divisas (remessa não autorizada de valores para fora do país) e a lavagem de dinheiro oriundo de atividades ilícitas, como o tráfico de drogas e de armas.

A nova lei, atenta à sensibilidade da questão, definiu como requisitos para autorização à exploração das apostas de quota-fixa (e preservação dela) o atendimento de inúmeros preceitos de governança e prevenção, como por exemplo:

  1. disponibilização de canal de ouvidoria e atendimento aos apostadores;
  2. implementação de um programa de compliance efetivo e direcionado ao atendimento das obrigações legais e regulamentares do setor;
  3. adoção de políticas práticas de PLD-FT (Prevenção à Lavagem de Dinheiro e Financiamento ao Terrorismo), que atendam às demandas impostas pela Lei n.o 9.613/98 (Lei de Lavagem de Dinheiro), especialmente de KYC (Know Your Client) e de comunicação de atividades suspeitas à Unidade de Inteligência Financeira (COAF);
  4. estruturação de setor interno dedicado à relação interinstitucional com o Governo e ao atendimento das demandas dos órgãos de controle            e fiscalização.

Em suma, a Lei n.o 14.790/23 representa um grande avanço na regulação de um setor de mercado multibilionário, que cresce exponencialmente a cada ano e que representa uma importante avenida de crescimento para as empresas do setor.

Mas a oportunidade pode se transformar em grande pesadelo, para a empresa e para os seus gestores, se não estiver acompanhada de uma assessoria jurídica qualificada, experiente e capaz de promover as ações necessárias para que a atividade seja explorada com segurança jurídica e conformidade.

Quer saber mais sobre as oportunidades e desafios que a Lei nº 14.790/23 traz para o mercado de apostas esportivas e jogos on-line?

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